sábado, 12 de fevereiro de 2011

Rememorando: O Cetro e a Bolsa

Seguindo a vertente humanista do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, Jurandir Malerba em um dos capítulos de sua tese de doutorado discute a formação do Estado Nacional brasileiro que, como é sabido, teve como faísca a guerra pela hegemonia política na Europa entre a França de Napoleão e a Inglaterra, conferindo cara às  personagens de que trata. O autor fala sobre a necessidade de saber quem eram os nobres brasileiros e o que pensavam, uma vez que, a concepção de vida dessas pessoas é que demandaria como Estado seria montado por aqui. Resgatei esse assunto, pois, no que diz respeito aos vícios e vicissitudes tão entranhados em nós desde tempos imemoriais, o autor levanta algumas questões que merecem ser pontuadas.
Lançando mão de uma das tendências do romancismo, o título foi elaborado através de uma metafóra interessante: O Cetro e a Bolsa. Os substantivos se referem, respectivamente, ao poder político e ao prestigio engendrado pelo capital, encerrado assim a idéia central do capítulo em questão: o Brasil foi erigido através da fusão entre os que detinham a pompa (cetro) e aqueles que possuiam o dinheiro (bolsa).
É importante ressaltar que D. João era herdadeiro da tradição absolutista, segundo a qual o rei, ungido por Deus, centraliza o poder e é concebido enquanto a alma do reino. Havia também no inconsciente coletivo a certeza de que o pai, personificado pelo rei, deveria acolher, fato esse que justifica, entre outras coisas, os rituais de beija mão, abertura dos palácios e reclamações diretas. Nós somos filhos dessa tradição absolutista, baseada no catolicismo e com forte ênfase na hierarquia e isso explica o arcabouço de costumes segundo os quais nos orientamos.  Não ocasionalmente, na sociedade norte americana construída sob a égide do protestantismo, este caracterizado por fomentar a concepção de indivíduo e, conseqüentemente, a impessoalidade, há a separação absoluta entre público e privado. O povo brasileiro, ao contrário, é autoritário, personalista e respira politicamente essa cultura através de abraços e programas como o Bolsa Família.
Malerba atenta ainda para a necessidade de (re)conhecer a cultura e o caráter da monarquia lusa para entender como as coisas se desenharam por aqui. Muito se fala que para sustentar sua corte D. João adotou uma política exagerada de distribuição de títulos em função de satisfazer seus interesses, empreitada essa bastante recorrente em Portugal. Segundo o autor o que houve com a chegada da família real foi um exagero, não uma invenção. Contrariando a historiografia oficial, no que diz respeito à construção do Estado Nacional brasileiro, enfatiza que quem se uniu a corte lusitana não foram os aristocratas, mas os comerciantes de escravos, chamados homens de grosso trato. E foram esses os homens que viraram barões. A hipótese que talvez justifique a fusão que não aconteceu entre o rei e os latifundiários diz respeito ao fato de que os últimos já possuíam terras e ocupavam os principais cargos públicos, assim, a presença da corte teria gerado um certo desconforto e sensação de desprestígio.
O Estado Nacional brasileiro trouxe em seu bojo e alicerce a aliança entre parasitas migrados e pessoas enriquecidas com o comércio de escravos e outras atividades insalubres, que ansiavam por ascensão política. A chegada do rei possibilitou a essa gente a oportunidade de adquirir prestígio. Por outro lado, aqueles que monopolizavam o cetro e careciam da bolsa... O pilar do nosso Estado? Interesse. Pessoas ávidas por se aproximarem do poder a fim de ascender e satisfazer aspirações próprias. Parece familiar?
Sem mais.

Inspirado em: MALERBA, J. A Corte no exílio e poder no Brasil às vésperas da Independência.

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