domingo, 21 de agosto de 2011

Doces e sujos


                                                                                         Para o Dean

...e movimentando agressivamente os punhos ele buscava a minha boca, a minha lembrança, a minha mentira. Seus gestos interrogavam meus personagens maltrapilhos que caminhavam feito hipsters do outro lado do corredor. A roupa velha no varal, os vagões desocupados, o caminho de volta, livros e poemas esparramados pelo assoalho cheio de buracos. Duas noites em claro falando sobre a esquerda, evocando Sartre. Jazz, ele dizia, sempre acabamos aqui, para inferno todo o resto. Se levantava, acendia mais um cigarro e preciso dormir agora, vem Marília, dar uma olhada na cara envergonhada do mundo e continuava sem se recompor, você já deveria ter percebido que estamos parados em frente a casa de ninguém. Faróis imensos em cima de nós e aqueles olhos fatigados me chamando de volta, pedindo para que fizesse amor suavemente, que sentisse e aceitasse sua situação, que ouvíssemos o saxofonista arruinado, que nos arruinássemos, que encostássemos a cabeça naquela cicatriz de cesariana mal feita e dormíssemos até o final da tarde sobre a cortina de veludo roubada. Estiquei os braços e anunciei a chegada...


Perambulamos até um ponto qualquer, falávamos sobre gatos ou sobre jazz. Velhinhos a espreita da eternidade em seus alpendres, sentados em degraus de madeira ao lado de jovens moças russas. Era o tempo, nunca obstinado, prostrado num canto qualquer, sempre prestes a deitar ao nosso alcance. Prefiro não olhar. Jack falava comigo em voz baixa, me convidava, os ônibus passavam e Irene, diante da janela aberta, esbofeteava o travesseiro e despedia a culpa. E nós prosseguíamos, doces e sujos.


Interlúdio:

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Outra ''briga de amor com o mundo''




Fim de tarde. Domingo de cansaços e lágrimas de viúva. Uma paleta jogada no asfalto embaixo da chuva. Misturar, borrar, escorrer imprecisa. Cantar sozinha, derramar sozinha, tantas ruas nos meus olhos, poesia fluida, texto sem cerimônia. Carrego feixes de lenha através das manhãs incultas, insisto em compartilhar essa cama estreita, peço perdão por te acordar de repente com a graça de um sorriso que só faz fugir. Delírios, barricadas, versos que não me aceitam. Uma desgarrada, eles pensam.  Penso em você que perdeu todas as apostas para sempre, meu capricho. Eu era moça nua nos teus olhos, e você menino nas minhas cirandas de vanguarda. Benvindo, benvindo, benvindo.
É que odeio a fatalidade do alvorecer, cicatrizes no rosto do tempo, é que o sentido mais profundo da espiritualidade repousa na sexualidade, e eu preciso buscar. Gritos, saltos e leões. Parece maluquice, mais fácil se me entupisse de gozo raquítico, eu sei, herdar o cheiro das boas maneiras vestidas e calçadas, mas não, rebento para ti, vasto mundo, e esbravejo: tenta-me.   


Interlúdio:
                                                                                                 
                                                                                                     Por Carl Solomon

Vida é Gary Cooper combatendo Árabes em seu uniforme da Legião Estrangeira.
Vida é ler Kierkegaard em 1948 na biblioteca da Rua 42.
Vida é andar entre os anos cinquenta e os anos sessenta.
Vida é mãe, tias, primos e a lembrança do pai.
Vida é enumerar os suicídios e as psicoses deste e daquele.
Vida é ter raiva, raiva daqueles reais ou imaginários que se tornaram ricos e bem-sucedidos e sumiram deixando você mergulhado em seu desespero.
Vida é a velha fachada, boa para os anos cinquenta mas que não serve mais, sempre sorrindo e aparentando felicidade, ignorando todos os estados entre a felicidade e o desespero.
Vida é analisar verbos e escovar os dentes.
Vida é jogar Monopólio, Scrabble, Tênis, Pingue-pongue e tomar novos rumos.
Acima de tudo, vida é engano, quando os esquecidos retornam, quando você encontra velhos amores e novos ódios e eles se mesclam e se confundem numa trama que nunca percebemos por inteiro, de que desconhecemos os motivos fundamentais.

domingo, 31 de julho de 2011

Meia noite em Paris

Mulher na Janela - Salvador Dalí

Déjame por un instante, sumergirme en la locura de los artistas. Olvidar las reglas que impone el hombre para no transgredir todo aquello que conocemos. No le temo a la aventura de vivir en un mundo surrealista porque mi espíritu, no conoce otra verdad que la me eleva hasta las fronteras de lo imposible. El día que deje de soñar, mándame flores blancas. (Salvador Dalí)


Ontem Jack me contou sobre um tempo em que eu era prostituta e irmã. Escrevíamos a vida espontaneamente, tudo era vivo e fluído como o jazz e os estudantes se observavam construindo adágios de amor para que finalmente os pensamentos se esparramassem partidos através das praças e libertassem o infinito. E nós nos aventurávamos para além das trincheiras e dançávamos apenas - mundanos, boêmios, vadios. Com as pernas e os caminhos e os desejos intrincados. Dois serafins entusiasmados com as cidades antigas, experimentando carícias corruptas e escolhendo sonetos secretos na estação. As mentiras desabavam sobre nós como num maravilhoso delírio quixotesco. Jack questionou se não seria essa a hora de me desvencilhar destes moinhos.
- Continuo lutando, Jack, continuo lutando. E eles são gigantes. E nós somos loucos – ou poetas.


Interlúdio:


sexta-feira, 22 de julho de 2011

Niente


Te amo como as begônias tarântulas amam seus congêneres, como as serpentes se amam enroscadas lentas algumas muito verdes outras escuras, a cruz na testa lerdas prenhes, dessa agudez que me rodeia, te amo ainda que isso te fulmine ou que um soco na minha cara me faça menos osso e mais verdade. Hilda Hilst

Interlúdio:

terça-feira, 19 de julho de 2011

Niente

O poeta é ao mesmo tempo um leão e um Atlântico. Um nos afoga e o outro nos rói. Se sobrevivemos aos dentes, sucumbimos nas ondas. Um homem que pode destruir ilusões é, ao mesmo tempo, fera e dilúvio. As ilusões são para a alma o que a atmosfera é para a terra. Retirai esse brando ar e a planta morre, a cor empalidece. A terra por onde caminhamos é um ardente rescaldo. É marga o que pisamos, e seixos de fogo queimam os nossos pés. Somos desfeitos pela verdade. A vida é um sonho. É o despertar que nos mata. Quem nos rouba os sonhos rouba-nos a vida. (Virginia Woolf)


Interlúdio:

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Obrigada por isso

Rimbaud por Picasso

Sejam frágeis demais ou muito vagos, os laços que unem pessoas que se encontram por acaso num hotel à meia-noite possuem uma vantagem, pelo menos, em relação aos laços que unem os mais velhos, que, uma vez juntos, têm de viver junto a vida inteira. Podem ser frágeis, mas são vivos e genuínos, meramente porque o poder de rompê-los está ao alcance de todos, e não há motivo para continuar, exceto um verdadeiro desejo de que continuem. Quando duas pessoas estão casadas há anos, parecem tornar-se inconscientes da presença corporal uma da outra, de modo que se movem como se estivessem sozinhas, falam alto coisas que não esperam resposta, e em geral parecem experimentar todo o conforto do isolamento sem a solidão. (Virginia Woolf)

Gosto quando palavras estrangeiras me esclarecem, conferindo forma à desordem dos instintos e ao medo desarticulado que é sussurrado em silêncio atrás das venezianas. Penso em tudo que nasce em mim constantemente, em coisas que se misturam e se atropelam e cuja aparência permanece velada diante da inexistência de um esboço. Talvez seja um corpo o que obsessivamente tenho buscado na literatura - na palavra lapidada do outro, que me relata ou me desfigura. Virginia, obrigada por isso.


Interlúdio:



domingo, 17 de julho de 2011

A música do meu casamento

The crystal ship is being filled.
A thousand girls. A thousand thrills.
A million ways to spend your time.
When we get back,
I'll drop a line.
(The Crystal Ship - The Doors)


Jack, eu gostaria de escrever sobre teus pés tão presos à terra, mas estou escondida no meio dia reluzente de um verso sonhado, incapaz de ultrapassar a soleira de pedra das nossas memórias. E então o que me sobra de você são apenas relances. Noite passada você mencionou a infidelidade que cantamos e choramos tanto, mas nós sabemos, embora não o suficiente para aniquilar a dor e o medo que vieram depois, que eu tentei ser a mãe, a mulher e o porto. A verdade é que nos encontramos estrangeiros, com a alma rasgada e todas as cortinas descerradas, desfiando um tempo escorregadio que corria descalço através dos vinhedos. Talvez um dia te reconheça caminhando envelhecido pelas alamedas em busca de um desejo tranqüilo, consolando uma utopia bonita que verse sobre pátria, canteiros, lagos e estradinhas mortas pintadas de azul. E nesse dia talvez eu seja teu hino ou tua cortina tecida à mão. Mas não agora, porque a loucura e o sol ainda jorram em mim. E foi o com vestido desabotoado e a imaginação envenenada do mundo que eu me casei um dia...Oh, tell me where your freedom lies. The streets are fields that never die. Deliver me from reasons why, wou'd rather cry. I'd rather fly...

sábado, 16 de julho de 2011

Niente

Na manhã seguinte, quando tomou da pena para escrever, ou não podia pensar em nada, e a pena fazia sucessivos e lacrimejantes borrões, ou, o que era ainda mais alarmante, perdia-se em melífluas divagações sobre a morte precoce e a corrupção, o que era pior do que não pensar em nada. Pois, segundo parece – e o seu caso o prova -, não escrevemos só com os dedos, mas com a pessoa inteira. O nervo que governa a pena enrola-se em cada fibra do nosso ser, amarra-nos o coração, atravessa-nos o fígado. (Virginia Woolf)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Sutilezas


Como num delírio infantil, nós caminhávamos juntos por Paris sem nos acusar, mesmo sabendo que pertencíamos aos bêbados e às prostitutas - mas o sabíamos silenciosos e assim eu desejava encher o mundo com essa ternura pouca que jamais admitimos. E não me envergonhava por tudo em nós que inspirava suscetibilidade, porque sua marcha grave não oprimia a minha dança e nós apenas caminhávamos juntos por Paris, com modos vulneráveis e tímidos sob a chuva que jamais desejou sobrepujar os homens.


Interlúdio:


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Carlinhos Lyra

...então não vamos mais brigar
Saudade fez um samba em seu lugar
Saudade fez um samba em seu lugar

Lua linda essa!!! Uma mini colêtanea para alegrar o coração de vocês...

1 - Lobo bobo
2 - Saudade fez um samba
3 - Se é tarde me perdoa
4 - Maria Ninguém
5 - Você e eu

Interlúdio: Viajar é preciso, viver não é preciso...






quarta-feira, 13 de julho de 2011

Só mais uma coisinha:

...vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota. (Lispector)


Interlúdio:


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Niente

Faça como os elefantes. Quando estão tristes, eles vão embora.

Trânsito, transitar, transitório.



Em memória dos instantes em que nos desobrigamos do direito à própria voz e lançamos mão do clichê e da impessoalidade para permanecermos ancorados à superfície das coisas. E da rapidez e pressa do dia a dia e do medo do abismo que existe no outro e que nos impede de viver e transitar apesar dos sinais fechados. E da fala truncada perante a escassez das palavras e das trocas impossíveis e da fugacidade dos (des)encontros e das histórias que escrevemos com giz...
Sinal Fechado representa para mim um sinal de alerta sobre o perigo inerente a esse transitar estéril, abreviado, resumido que dispensamos ao mundo quando tememos nos comprometer. Amém aos que ficam. E VIVA LA REVOLUCIÓN!!!


Sinal Fechado
Composição: Paulinho da Viola

- Olá! Como vai?
- Eu vou indo. E você, tudo bem?
- Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E
você?
- Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo...
Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é, quanto tempo!
- Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
- Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é...quanto tempo!
- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
- Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
- Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente...
- Pra semana...
- O sinal...
- Eu procuro você...
- Vai abrir, vai abrir...
- Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
- Por favor, não esqueça, não esqueça...
- Adeus!
- Adeus!
- Adeus

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Periférica, marginal

Imagem de Acossado (1959)  do Godard

- Nós nos escondemos como os elefantes felizes.
- As ancas das mulheres são comoventes.

Há quem diga que Godard é um chato. Mas eu o amo como se ama um anarquista ou um tapa na cara do bem-feito, como se ama tudo aquilo que insulta e subverte e agride e acaba por não ter para onde ir. Por que é isso que liberta e fascina... e é assim, só assim, que se alforria a linguagem. E finalmente a imaginação pode filmar como achar melhor.  


Interlúdio:

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Niente

Frida Kahlo

Ainda a ouço gritar: e a sensação que nunca mais me deixou: meu corpo carrega em si todas as chagas do mundo. Te escreverei um dia, Jack. Sobre a minha dor, a minha excitação, a minha febre e essa vontade de destruir tudo... e sobre a moralidade do mundo que eu matei em mim.  Só o caos me impulsiona. Me livrei da culpa, Jack, e espero que você entenda, eu estava cansada de tudo aquilo, dos mesmos nomes, de combater ou adiar nossos momentos de amor, que são estórias púrpuras  de destruição e entrega e morte e dor. Eu pareço idiota, Jack? Eu te pareço humana em demasia, minha vida? Nos tornamos novos ali sentados enquanto silêncios fluíam em sobressalto. Eu te amo, Jack. Deitada nos braços de Hugos, Henriques e Eduardos, eu imediatamente amo você com tudo aquilo que não amadureceu em mim.  E com o meu misticismo, a minha ternura insuportável e essa vergonha manchada de verde.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Eu tenho mais de vinte mundos




Ontem de manhã quando acordei
Olhei a vida e me espantei
Eu tenho mais de 20 anos
E eu tenho mais de mil perguntas sem respostas

Terça de inverno. Hoje, mais do que nunca, sei que o que me move é a intensidade, assim como é a dor que inspira a escrita - mas isso não importa agora. Folheei um caderninho de notas antigo e percebi que as coisas mais verdadeiras são aqueles espaços que permanecem em branco, geralmente entre uma anotação e outra. São nesses intervalos em que eu me esvazio, custo a dormir, atravesso as ruas e acendo outro cigarro. O registro existe para aliviar o peso da lembrança, tenho escrito pouco por querer esquecer pouco. Não quero musicar a minha inquietude, o meu ideal, nem uma ou duas coisas que sei sobre aquele garoto que me canta sambas antigos, porque qualquer crônica acabaria com a possibilidade de revisitar essas sensações. Farei viente e dois anos amanhã, não cantarei isso em versos e nunca estive tão próxima da poesia: estou impregnada do cheiro do dia a dia, dos homens, das rodoviárias, das ciganas, do sal, dos bêbados que me confessam palavras estrangeiras, sem rima, sem métrica, sem meios-tons.


Interlúdio:




terça-feira, 28 de junho de 2011

Os ninhos desfeitos




"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade...sei lá de quê!'' [Florbela Espanca]

segunda-feira, 27 de junho de 2011

1968

Ricky Ferreira

Apanhando silêncios impronunciáveis, experimentado o ''desregramento de todos os sentidos''. Ouuuuuuuuutttttttt

Interlúdio:


quarta-feira, 15 de junho de 2011

(an)danças

Quatro passi si fá cosi, cosi 
Quatro passi si fá colá, colá
Due di quá due di lá
Lá biondina me vuoi abraciar .....
 

Interlúdio:

Churrascaria Garfo & Bombacha - Canela

Grupo Folclórico

terça-feira, 14 de junho de 2011

Dylan e nós



Eu jamais saberia como seria vasculhar a sua intimidade. E os clarões são agora absorvidos pelas miragens da zona portuária da noite anterior... And now you find out you're gonna have to get used to it, you said you'd never compromise, with the mystery tramp, but now you realize. He's not selling any alibis, as you stare into the vacuum of his eyes, and ask him do you want to make a deal?

domingo, 12 de junho de 2011

Loucura

                                                            por Kiki de Montparnasse










Interlúdio:


sábado, 11 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

domingo, 5 de junho de 2011

Desfilando descompassos


“O amor? Pássaro
que põe ovos de ferro.”
(João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas)


Dedico esta manhã de domingo às contradições que permeiam o querer e alimentam o impossivel. Salve, Caetano!




Interlúdio:

O Quereres
Composição: Caetano Veloso

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock?n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em ti é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

So long, Marianne

                                                                                     

                                                                                para uma certa garota

Ficamos sem entender, mas não importa, nós não poderíamos levá-la, estamos prontos para retornar sem chorar pela mobília deixada para trás. Você seguirá com seus passos rijos enquanto segura outras meninas pela cintura e acaracia a si mesma, sempre foi assim. Então, so long, Marinanne, estou encharcada, juntando os trapos, pronta para rejeitar as manhãs desamparadas de domingo. Frias demais, descoloridas. Tenho demitido rapazes que prometem iluminar os meus caminhos e no meu semblante ainda reina o silêncio dos loucos e dos bêbados dessa geração subterrânea que demite os excessos da noite anterior. So long, Marianne, é claro que amo você, e a imensidão e as noites inteiras e sair sem consultar os mapas e a música cálida e insana que tivemos que empurrar e acender, não queria parecer beat demais, mas estou bêbada, Marianne, e já não há amor o suficiente, nem vida, apenas um pássaro exilado reluzindo descontente, avaliando o deserto. Os trilhos do trem começaram a cair, a música vai nos surpreender antes da estrada, so long, Marianne, te abraço sem sentimentalismos. Com a vastidão dos gestos vulgares, eu te amo, Marianne.

Interlúdio:


terça-feira, 31 de maio de 2011

I will shape myself into your pocket

Muito cansada e idiotamente feliz. Sem mais.

Interlúdio:



Lotus Flower
Radiohead

I will sneak myself into your pocket
Invisible
Do what you want
Do what you want


I will shrink and I will disappear
I will slip into the groove and cut me off
And cut me off


There's an empty space inside my heart
Where the weeds take root
And now I'll set you free
I'll set you free


There's an empty space inside my heart
Where the weeds take root
So now I'll set you free
I'll set you free


Slowly we unfurl
As lotus flowers
'Cos all I want is the moon upon a stick
Just to see what if
Just to see what is
I can't kick your habit
Just to fill your fast ballooning head
Listen to your heart


We will shrink and we'll be quiet as mice
And while the cat is away
Do what we want
Do what we want


There's an empty space inside my heart
Where the weeds take root
So now I'll set you free
I'll set you free


'Cos all I want is the moon upon a stick
Just to see what if
Just to see what is
The bird lights float into my room


Slowly we unfurl
As lotus flowers
'Cos all I want is the moon upon a stick
I dance around the pit
The darkness is beneath
I can't kick your habit
Just to feed your fast ballooning head
Listen to your heart

domingo, 29 de maio de 2011

Querido fulano,

que eu poderia muito bem chamar de mundo, com a voz destrancada frente às paredes cinzas deste terminal rodoviário e o vestido desabotoado como quem esqueceu a cama desfeita e anda atordoada de amor, finalmente me sinto livre de todas as acusações que se ergueram contra mim. Repouso agora no último banco, sabendo que partirá esquecida a amante infiel coroada com pétalas amarelas - aquela que sempre evitou olhares recatados e aquela cujos olhos o mundo não conseguiu ensinar a devoção. Os lábios do tempo e todos os caminhos imersos na minha boca, eu simplesmente não posso deixar de ir, encosto então a minha prece infantil junto ao teu peito rasgado varrido por cicatrizes e adormeço a tua lembrança nas minhas visões. Porque logo é preciso descer e percorrer o calçamento e se embebedar e sumir e cantar como a sereia ao Odisseu de cada beco para finalmente admitir que eu e você somos perfeitos, querido fulano, meu poema, minha alma que eu tanto amei.... que eu e você somos perfeitos assim distantes, amor meu. Adeus. The empty-handed painter from your streets, is drawing crazy patterns on your sheets...

Com açúcar, com afeto
Kiki

Post-Scriptum:

 

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sobre os meus vermelhos

Interlúdio:

Retomei os fauvistas, ando obcecada por cores fortes - e por qualquer outra espécie de tentativa levada  às últimas conseqüências. 

Matisse -  A Dança

terça-feira, 24 de maio de 2011

Poema dos olhos da amada




Poema Dos Olhos Da Amada
Composição : Vinicius de Moraes / Paulo Soledade

Oh, minha amada
Que os olhos teus

São cais noturnos
Cheios de adeus

São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus


Oh, minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus


Oh, minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus


Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Homossexualidade na Grécia Antiga

Buenas! Para os alunos do primeiro colegial, conforme o prometido:

                                                               Por Luiz Augusto de Freitas Guimarães

Antes de nos aprofundarmos no tema em questão, faz-se necessário definir o que significa homossexualidade. Recorrendo ao dicionário Aurélio da Língua Portuguesa encontramos homossexual como relativo à afinidade, atração e/ou comportamento sexuais entre indivíduos do mesmo sexo. No entanto, a palavra homossexual é originária do século XIX a partir do grego homo (igual) e do latim sexus. Com isso enfatizamos que na Grécia Antiga tal expressão inexistia.
Encontramos a pederastia, que para os gregos era o amor de um homem (geralmente com idade acima de trinta anos) por um adolescente (entre os quatorze e dezesseis anos). A relação sexual entre pessoas adultas do mesmo sexo não era comum e, quando ocorria, era reprovada, principalmente entre dois homens, pois havia a preocupação com a questão da passividade. Um homem não podia ter complacências passivas com outro homem, muito menos se este fosse um escravo ou de classe inferior.
A prática da homossexualidade dentro do contexto da pederastia não era excludente. Ou seja, o fato do homem ter sua esposa não era impedimento para que se relacionasse com um adolescente. E nem o fato de se relacionar com o adolescente significava o fim do seu casamento. A pederastia dificilmente alterava a imagem do homem perante a sociedade, pois o amor ao belo, ao sublime e o cultivo da inteligência e da cultura não tinha sexo. Condenável era a busca do sexo pelo sexo.
Além do componente etário, a relação de pederastia incluía a questão do status social, nesse sentido o homem deveria ter ascendência intelectual, cultural e econômica sobre o adolescente. Afinal, ele complementaria a formação do jovem, iniciando-o nas artes do amor, no estudo da filosofia e da moral.
Havia toda uma ritualização envolvendo a aproximação do homem que estivesse interessado por um adolescente. A “corte” era necessária para que a relação tivesse o caráter de bela e moralmente aceita. Os papéis nesse caso eram bem definidos, o homem (erastes) fazia a corte e o adolescente (erômeno) era o cortejado, podendo deixar-se conquistar ou não.
O homem, ao cortejar, presenteava, prestava favores, ia ao ginásio ver o adolescente se exercitar (e geralmente se exercitava nu) e praticava com ele os exercícios físicos até a exaustão, uma vez que não possuía o mesmo vigor físico da juventude. O adolescente, por sua vez, deveria ser gentil e ao mesmo tempo por à prova o amor do pretendente. A conquista era incerta, pois caberia ao jovem a palavra final.
Quando deveria acabar a relação de pederastia? Tão logo aparecesse no adolescente os primeiros sinais de virilidade, a primeira barba, que por volta dos 17 ou 18 anos já era evidente. Permanecer nessa relação após o advento da virilidade era reprovável, principalmente para o homem, já que estaria se envolvendo com outro homem.
A relação entre pessoas do mesmo sexo teve lugar também em Esparta, porém com um sentido um pouco diferente da vista em Atenas. Além das relações de pederastia, eram estimuladas as relações entre os componentes do exército espartano e tinha por objetivo torná-lo mais forte. O que levava os comandantes do exército a estimular esse tipo de relação era o fato de acreditarem que um amante, além de lutar, jamais abandonaria outro amante no campo de batalha. O Batalhão Sagrado de Tebas, famoso por suas vitórias, era formado totalmente por pares homossexuais.
A homossexualidade feminina também teve seu lugar na Grécia Antiga. E, embora a mulher não ocupasse lugar de destaque e, por isso, a escassez de registros, é da antigüidade grega que provém o termo lésbica, para indicar a mulher homossexual. Lesbos é o nome da ilha onde viveu a Safo, a famosa poetisa, que não escondia sua preferência sexual pelo mesmo sexo. E, já que citamos Safo, vale nomear outros nomes conhecidos. Zeus, o deus grego, enamorou-se de tal forma pelo jovem Ganimedes, tal era sua beleza, que o levou para o Olimpo. Teseu seduziu não apenas donzelas no labirinto, mas também os monstros. Os filósofos Sócrates e Platão e o legislador Sólon foram pederastas no sentido aqui explicitado.
Na Grécia Antiga, as relações entre homens, que hoje nomeamos de homossexualismo, eram quase sempre orientadas para finalidades específicas e ultrapassavam a simples busca do prazer sexual. A pederastia visava a formação do jovem, tanto em Esparta quanto em Atenas. No exército espartano o amor entre soldados fortalecia o exército. Em nenhum dos dois casos estava excluída a relação com uma mulher, no presente ou no futuro. É com o advento do cristianismo que essas relações passam a ser vistas como pecaminosas.
 
Bibliografia:

AMES, Philippe e BÈJIN, André. Sexualidades ocidentais. São Paulo. Brasiliense: 1982.
DOVER, Kenneth J. A homossexualidade na Grécia antiga. São Paulo: Nova Alexandria, 1978.
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