à
sorte
Olá, América. Escrevo para dizer que os clarões se apagaram,
a luz do sol está trancada junto à janela cheia de graça, esperando para
retomar os teus olhos, amém! Vejo agora essa estranha cicatriz junto
ao teu peito baldio, estou vestindo aquela camisola azul em desprezo à
tua voz oculta na convulsão da chuva que silencia a minha verdade. E estou
acariciando a eternidade sabendo que em breve você cairá também...
A última vez em que te vi você tinha 27 anos e teus olhos
eram heróis exaustos, pousados sobre a fumaça moderna, e tua solidão mirava o
céu, espreitando a primavera. Penso em todas as vezes em que morremos ancoradas
às infâncias dos bêbados e não posso deixar de perguntar... Você estava
preparada para isso?
Ainda penso naquelas canções jorrando num universo místico,
no homem velho com os olhos acinzentados pousados sobre o horizonte intemporal
que desapareceu tão rapidamente... Sempre imaginei que seria doloroso caminhar
na direção oposta aos meus desejos e enlaçar o
desconhecido, encontrar o vazio, me desprender do próprio corpo... Bem,
talvez tenha sido, Jack, mas eu gostaria de poder contar sobre como é estar
imersa agora em devaneios calmos, respirando o silêncio e a desintegração dos
sentidos - e acreditando finalmente que posso pertencer a algum
lugar. Tenho me lembrado constantemente de dom Juan: Tudo é
um caminho entre um milhão de caminhos. [...]e todos os caminhos são os mesmos:
não conduzem a lugar algum, mas alguns caminhos tem coração e
outros não.
Interlúdio:
Nossa bagagem maltratada fora empilhada na calçada
novamente; nós tínhamos mais caminhos para percorrer. Mas não importa, a
estrada é a vida. (Kerouac)