domingo, 13 de fevereiro de 2011

Entre Quatro Paredes

foi a última obra de Sartre a que tive acesso, muitas coisas me levaram a escrever sobre ela nesse momento, mas o essêncial talvez tenha sido o fato de elucidar uma verdade tão escancarada quanto dolorosa: o elemento que permeia a relação entre consciências é o conflito. O filósofo francês, um dos expoentes do existencialismo, apoiou-se sobre a certeza de que a existência está intimamente atrelada ao pensamento que o outro faz de si. Enquanto seres pensantes e pensados, estamos condenados ao privilégio angustiante da liberdade de escolha, isso faz suscitar um sentimento de responsabilidade e angústia. Os personagens de que trata o drama foram condenados ao inferno por abdicarem da liberdade que lhes facultava sua condição humana, lançando mão, cada um a seu modo, de uma forma de alienação. Condenados então à tolerância mútua descobrem o inferno essêncial: uma consciência não pode furtar-se a enfrentar a outra que a denuncia.

O drama data de 1944 e é ambientado em um único cenário com pouquíssimas personagens. Garcin, homem letrado, abandonou o serviço militar sob pretexto pacifista, foi preso e executado. O típico covarde que se refugia na apatia para não enfrentar a verdade. Em vida, torturava a esposa a quem fora incapaz de amar; em morte, tenta destruir Estelle ao sentir-se dependente de seu afeto. Inês, uma lésbica funcionaria dos correios, não lança mão de álibis para justificar seu ódio e sadismo. No inferno, sente certa atração por Estelle, por quem é desprezada. Por fim, Estelle, burguesa que ascendeu socialmente através do casamento e matou a filha, fruto de seu caso com um amante, em nome do conforte e da vaidade. Concebe o infanticídio enquanto obra do destino, busca na paixão uma espécie de entorpecimento a fim de escapar a realidade. Volta-se para Garcin ansiando pela evasão, este se recusa a amá-la na presença de Inês. Tomada pelo ódio planeja assassiná-la e depois se suicidar, mas os mortos só morrem uma vez.  

O inferno onde a trama se desenrola é decorado com apenas com três poltronas e uma estátua de bronze sobre a lareira. Os mortos permanecem enclausurados nesse espaço e sua condenação é a vida em comum – as coisas se desenrolam de tal maneira que a convivência se torna insuportável. São carrascos de si mesmos e dos outros nesse inferno particular, uma vez que, incapazes de expiar suas falhas descobrem o insuportável de sua imagem nos olhos do outro.

Interlúdio: Inquietude, acossar, insaciedade. 

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