sábado, 19 de março de 2011

''e logo voce está beijando uma cabeça cheia de rolinhos.''



                                         ao som de Ysabel's Table Dance do Charles Mingus

eu arrombaria Hilda e talvez dissesse  ama-me, é tempo ainda, sorrindo como uma louca vendedora de jornais em baixo do sol. Do lado de fora, uma vida de excentricidades e outras mulheres que não podem prometer nada. Morremos, morremos, morremos. E desembarcamos com os lábios vermelhos e os olhos manchados e dobramos esquinas de encontros e danos, ama-me, embora eu te pareça demasiado intensa porque, você sabe, estão todos bêbados e respiram com dificuldade. E as dores e preces do mundo deslizando para dentro de mim, arranhando oceanos de espuma e glórias que não são nossas... sou tua esposa e doce concubina e de asperezas, e transitória, se tu me pensas. E essa fome e esse querer e não querer estar aqui enterrados na minha carne, aquela mesma necessidade de ir embora, você sabe do que estou falando, Ginsberg saberia, a dose violenta de qualquer coisa, interroga-me e eu te direi que nosso tempo é agora, não pergunte o que aconteceu, foi tudo tumultuado e estranho, um par de versos rasgados e vestidos de renda e saxofones gemendo tristemente em leitos de ninguém porque é mais vasto o sonho que elabora.


Interlúdio:

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?


[Charles Bukowski]

Nenhum comentário:

Postar um comentário