Para o Dean
...e movimentando agressivamente os punhos ele buscava a minha
boca, a minha lembrança, a minha mentira. Seus gestos interrogavam meus
personagens maltrapilhos que caminhavam feito hipsters do outro lado
do corredor. A roupa velha no varal, os vagões desocupados, o caminho de volta,
livros e poemas esparramados pelo assoalho cheio de buracos. Duas noites em
claro falando sobre a esquerda, evocando Sartre. Jazz, ele dizia, sempre
acabamos aqui, para inferno todo o resto. Se levantava, acendia mais
um cigarro e preciso dormir agora, vem Marília, dar uma olhada na cara
envergonhada do mundo e continuava sem se recompor, você já deveria ter percebido que
estamos parados em frente a casa de ninguém. Faróis imensos em cima de nós
e aqueles olhos fatigados me chamando de volta, pedindo para que fizesse amor
suavemente, que sentisse e aceitasse sua situação, que ouvíssemos o saxofonista
arruinado, que nos arruinássemos, que encostássemos a cabeça naquela cicatriz
de cesariana mal feita e dormíssemos até o final da tarde sobre a cortina de
veludo roubada. Estiquei os braços e anunciei a chegada...
Perambulamos até um ponto qualquer, falávamos sobre gatos ou sobre jazz. Velhinhos a espreita da eternidade em seus alpendres, sentados em degraus de madeira ao lado de jovens moças russas. Era o tempo, nunca obstinado, prostrado num canto qualquer, sempre prestes a deitar ao nosso alcance. Prefiro não olhar. Jack falava comigo em voz baixa, me convidava, os ônibus passavam e Irene, diante da janela aberta, esbofeteava o travesseiro e despedia a culpa. E nós prosseguíamos, doces e sujos.
Interlúdio:
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