domingo, 21 de agosto de 2011

Doces e sujos


                                                                                         Para o Dean

...e movimentando agressivamente os punhos ele buscava a minha boca, a minha lembrança, a minha mentira. Seus gestos interrogavam meus personagens maltrapilhos que caminhavam feito hipsters do outro lado do corredor. A roupa velha no varal, os vagões desocupados, o caminho de volta, livros e poemas esparramados pelo assoalho cheio de buracos. Duas noites em claro falando sobre a esquerda, evocando Sartre. Jazz, ele dizia, sempre acabamos aqui, para inferno todo o resto. Se levantava, acendia mais um cigarro e preciso dormir agora, vem Marília, dar uma olhada na cara envergonhada do mundo e continuava sem se recompor, você já deveria ter percebido que estamos parados em frente a casa de ninguém. Faróis imensos em cima de nós e aqueles olhos fatigados me chamando de volta, pedindo para que fizesse amor suavemente, que sentisse e aceitasse sua situação, que ouvíssemos o saxofonista arruinado, que nos arruinássemos, que encostássemos a cabeça naquela cicatriz de cesariana mal feita e dormíssemos até o final da tarde sobre a cortina de veludo roubada. Estiquei os braços e anunciei a chegada...


Perambulamos até um ponto qualquer, falávamos sobre gatos ou sobre jazz. Velhinhos a espreita da eternidade em seus alpendres, sentados em degraus de madeira ao lado de jovens moças russas. Era o tempo, nunca obstinado, prostrado num canto qualquer, sempre prestes a deitar ao nosso alcance. Prefiro não olhar. Jack falava comigo em voz baixa, me convidava, os ônibus passavam e Irene, diante da janela aberta, esbofeteava o travesseiro e despedia a culpa. E nós prosseguíamos, doces e sujos.


Interlúdio:

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