domingo, 31 de julho de 2011

Meia noite em Paris

Mulher na Janela - Salvador Dalí

Déjame por un instante, sumergirme en la locura de los artistas. Olvidar las reglas que impone el hombre para no transgredir todo aquello que conocemos. No le temo a la aventura de vivir en un mundo surrealista porque mi espíritu, no conoce otra verdad que la me eleva hasta las fronteras de lo imposible. El día que deje de soñar, mándame flores blancas. (Salvador Dalí)


Ontem Jack me contou sobre um tempo em que eu era prostituta e irmã. Escrevíamos a vida espontaneamente, tudo era vivo e fluído como o jazz e os estudantes se observavam construindo adágios de amor para que finalmente os pensamentos se esparramassem partidos através das praças e libertassem o infinito. E nós nos aventurávamos para além das trincheiras e dançávamos apenas - mundanos, boêmios, vadios. Com as pernas e os caminhos e os desejos intrincados. Dois serafins entusiasmados com as cidades antigas, experimentando carícias corruptas e escolhendo sonetos secretos na estação. As mentiras desabavam sobre nós como num maravilhoso delírio quixotesco. Jack questionou se não seria essa a hora de me desvencilhar destes moinhos.
- Continuo lutando, Jack, continuo lutando. E eles são gigantes. E nós somos loucos – ou poetas.


Interlúdio:


sexta-feira, 22 de julho de 2011

Niente


Te amo como as begônias tarântulas amam seus congêneres, como as serpentes se amam enroscadas lentas algumas muito verdes outras escuras, a cruz na testa lerdas prenhes, dessa agudez que me rodeia, te amo ainda que isso te fulmine ou que um soco na minha cara me faça menos osso e mais verdade. Hilda Hilst

Interlúdio:

terça-feira, 19 de julho de 2011

Niente

O poeta é ao mesmo tempo um leão e um Atlântico. Um nos afoga e o outro nos rói. Se sobrevivemos aos dentes, sucumbimos nas ondas. Um homem que pode destruir ilusões é, ao mesmo tempo, fera e dilúvio. As ilusões são para a alma o que a atmosfera é para a terra. Retirai esse brando ar e a planta morre, a cor empalidece. A terra por onde caminhamos é um ardente rescaldo. É marga o que pisamos, e seixos de fogo queimam os nossos pés. Somos desfeitos pela verdade. A vida é um sonho. É o despertar que nos mata. Quem nos rouba os sonhos rouba-nos a vida. (Virginia Woolf)


Interlúdio:

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Obrigada por isso

Rimbaud por Picasso

Sejam frágeis demais ou muito vagos, os laços que unem pessoas que se encontram por acaso num hotel à meia-noite possuem uma vantagem, pelo menos, em relação aos laços que unem os mais velhos, que, uma vez juntos, têm de viver junto a vida inteira. Podem ser frágeis, mas são vivos e genuínos, meramente porque o poder de rompê-los está ao alcance de todos, e não há motivo para continuar, exceto um verdadeiro desejo de que continuem. Quando duas pessoas estão casadas há anos, parecem tornar-se inconscientes da presença corporal uma da outra, de modo que se movem como se estivessem sozinhas, falam alto coisas que não esperam resposta, e em geral parecem experimentar todo o conforto do isolamento sem a solidão. (Virginia Woolf)

Gosto quando palavras estrangeiras me esclarecem, conferindo forma à desordem dos instintos e ao medo desarticulado que é sussurrado em silêncio atrás das venezianas. Penso em tudo que nasce em mim constantemente, em coisas que se misturam e se atropelam e cuja aparência permanece velada diante da inexistência de um esboço. Talvez seja um corpo o que obsessivamente tenho buscado na literatura - na palavra lapidada do outro, que me relata ou me desfigura. Virginia, obrigada por isso.


Interlúdio:



domingo, 17 de julho de 2011

A música do meu casamento

The crystal ship is being filled.
A thousand girls. A thousand thrills.
A million ways to spend your time.
When we get back,
I'll drop a line.
(The Crystal Ship - The Doors)


Jack, eu gostaria de escrever sobre teus pés tão presos à terra, mas estou escondida no meio dia reluzente de um verso sonhado, incapaz de ultrapassar a soleira de pedra das nossas memórias. E então o que me sobra de você são apenas relances. Noite passada você mencionou a infidelidade que cantamos e choramos tanto, mas nós sabemos, embora não o suficiente para aniquilar a dor e o medo que vieram depois, que eu tentei ser a mãe, a mulher e o porto. A verdade é que nos encontramos estrangeiros, com a alma rasgada e todas as cortinas descerradas, desfiando um tempo escorregadio que corria descalço através dos vinhedos. Talvez um dia te reconheça caminhando envelhecido pelas alamedas em busca de um desejo tranqüilo, consolando uma utopia bonita que verse sobre pátria, canteiros, lagos e estradinhas mortas pintadas de azul. E nesse dia talvez eu seja teu hino ou tua cortina tecida à mão. Mas não agora, porque a loucura e o sol ainda jorram em mim. E foi o com vestido desabotoado e a imaginação envenenada do mundo que eu me casei um dia...Oh, tell me where your freedom lies. The streets are fields that never die. Deliver me from reasons why, wou'd rather cry. I'd rather fly...

sábado, 16 de julho de 2011

Niente

Na manhã seguinte, quando tomou da pena para escrever, ou não podia pensar em nada, e a pena fazia sucessivos e lacrimejantes borrões, ou, o que era ainda mais alarmante, perdia-se em melífluas divagações sobre a morte precoce e a corrupção, o que era pior do que não pensar em nada. Pois, segundo parece – e o seu caso o prova -, não escrevemos só com os dedos, mas com a pessoa inteira. O nervo que governa a pena enrola-se em cada fibra do nosso ser, amarra-nos o coração, atravessa-nos o fígado. (Virginia Woolf)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Sutilezas


Como num delírio infantil, nós caminhávamos juntos por Paris sem nos acusar, mesmo sabendo que pertencíamos aos bêbados e às prostitutas - mas o sabíamos silenciosos e assim eu desejava encher o mundo com essa ternura pouca que jamais admitimos. E não me envergonhava por tudo em nós que inspirava suscetibilidade, porque sua marcha grave não oprimia a minha dança e nós apenas caminhávamos juntos por Paris, com modos vulneráveis e tímidos sob a chuva que jamais desejou sobrepujar os homens.


Interlúdio:


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Carlinhos Lyra

...então não vamos mais brigar
Saudade fez um samba em seu lugar
Saudade fez um samba em seu lugar

Lua linda essa!!! Uma mini colêtanea para alegrar o coração de vocês...

1 - Lobo bobo
2 - Saudade fez um samba
3 - Se é tarde me perdoa
4 - Maria Ninguém
5 - Você e eu

Interlúdio: Viajar é preciso, viver não é preciso...






quarta-feira, 13 de julho de 2011

Só mais uma coisinha:

...vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota. (Lispector)


Interlúdio:


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Niente

Faça como os elefantes. Quando estão tristes, eles vão embora.

Trânsito, transitar, transitório.



Em memória dos instantes em que nos desobrigamos do direito à própria voz e lançamos mão do clichê e da impessoalidade para permanecermos ancorados à superfície das coisas. E da rapidez e pressa do dia a dia e do medo do abismo que existe no outro e que nos impede de viver e transitar apesar dos sinais fechados. E da fala truncada perante a escassez das palavras e das trocas impossíveis e da fugacidade dos (des)encontros e das histórias que escrevemos com giz...
Sinal Fechado representa para mim um sinal de alerta sobre o perigo inerente a esse transitar estéril, abreviado, resumido que dispensamos ao mundo quando tememos nos comprometer. Amém aos que ficam. E VIVA LA REVOLUCIÓN!!!


Sinal Fechado
Composição: Paulinho da Viola

- Olá! Como vai?
- Eu vou indo. E você, tudo bem?
- Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E
você?
- Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo...
Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é, quanto tempo!
- Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
- Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é...quanto tempo!
- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
- Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
- Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente...
- Pra semana...
- O sinal...
- Eu procuro você...
- Vai abrir, vai abrir...
- Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
- Por favor, não esqueça, não esqueça...
- Adeus!
- Adeus!
- Adeus

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Periférica, marginal

Imagem de Acossado (1959)  do Godard

- Nós nos escondemos como os elefantes felizes.
- As ancas das mulheres são comoventes.

Há quem diga que Godard é um chato. Mas eu o amo como se ama um anarquista ou um tapa na cara do bem-feito, como se ama tudo aquilo que insulta e subverte e agride e acaba por não ter para onde ir. Por que é isso que liberta e fascina... e é assim, só assim, que se alforria a linguagem. E finalmente a imaginação pode filmar como achar melhor.  


Interlúdio:

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Niente

Frida Kahlo

Ainda a ouço gritar: e a sensação que nunca mais me deixou: meu corpo carrega em si todas as chagas do mundo. Te escreverei um dia, Jack. Sobre a minha dor, a minha excitação, a minha febre e essa vontade de destruir tudo... e sobre a moralidade do mundo que eu matei em mim.  Só o caos me impulsiona. Me livrei da culpa, Jack, e espero que você entenda, eu estava cansada de tudo aquilo, dos mesmos nomes, de combater ou adiar nossos momentos de amor, que são estórias púrpuras  de destruição e entrega e morte e dor. Eu pareço idiota, Jack? Eu te pareço humana em demasia, minha vida? Nos tornamos novos ali sentados enquanto silêncios fluíam em sobressalto. Eu te amo, Jack. Deitada nos braços de Hugos, Henriques e Eduardos, eu imediatamente amo você com tudo aquilo que não amadureceu em mim.  E com o meu misticismo, a minha ternura insuportável e essa vergonha manchada de verde.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Eu tenho mais de vinte mundos




Ontem de manhã quando acordei
Olhei a vida e me espantei
Eu tenho mais de 20 anos
E eu tenho mais de mil perguntas sem respostas

Terça de inverno. Hoje, mais do que nunca, sei que o que me move é a intensidade, assim como é a dor que inspira a escrita - mas isso não importa agora. Folheei um caderninho de notas antigo e percebi que as coisas mais verdadeiras são aqueles espaços que permanecem em branco, geralmente entre uma anotação e outra. São nesses intervalos em que eu me esvazio, custo a dormir, atravesso as ruas e acendo outro cigarro. O registro existe para aliviar o peso da lembrança, tenho escrito pouco por querer esquecer pouco. Não quero musicar a minha inquietude, o meu ideal, nem uma ou duas coisas que sei sobre aquele garoto que me canta sambas antigos, porque qualquer crônica acabaria com a possibilidade de revisitar essas sensações. Farei viente e dois anos amanhã, não cantarei isso em versos e nunca estive tão próxima da poesia: estou impregnada do cheiro do dia a dia, dos homens, das rodoviárias, das ciganas, do sal, dos bêbados que me confessam palavras estrangeiras, sem rima, sem métrica, sem meios-tons.


Interlúdio: